quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Raciocínio e Sokoban

Se tentássemos explicar a Arquimedes, ou a Leonardo da Vinci, a separação entre a matemática e a física, a distinção entre química e biologia, eles provavelmente teriam dificuldade em entender. A divisão do conhecimento em áreas é um fenômeno moderno. Nos tempos mais remotos tudo era pensado de forma interligada. O acúmulo de conhecimento e a consequente especialização dos indivíduos resultou inevitavelmente em uma segmentação do conhecimento em áreas, sub-áreas e assim por diante.

Esta divisão obviamente reflete na educação. Mas, muito mais do que isto, tal divisão cria na mente dos educadores uma categorização do que deve aprender um estudante. Por isto, se não pudermos encaixar o que se aprende em português, matemática, biologia etc., o que se ensina não parece legítimo para a escola. Isto pode se refletir também na forma como os pais encaram a educação de seus filhos.

O mesmo dilema persegue o uso de computadores para a aprendizagem. Aparentemente, “programas educativos” são aqueles que de algum modo se encaixam na divisão de disciplinas do currículo, o que tem produzido uma geração de programas enfadonhos que tentam reproduzir a sala de aula.

Se voltarmos àquela estória de Arquimedes e da Vinci, é legítimo nos questionarmos o que realmente é importante que um indivíduo aprenda. Não quero menosprezar o currículo escolar, mas eu também pensaria em habilidades que não se encaixam na matéria A ou B. Por exemplo, a capacidade de encontrar soluções criativas para problemas é uma habilidade importante. Diversas atividades podem ser estruturadas para trabalharem com esta habilidade. O mais importante neste caso é a compreensão de que: não se ensina a alguém a resolver problemas, você tem que deixá-lo descobrir as próprias estratégias pessoais.

Neste contexto, alguns tipos de jogos são bastante interessantes. Eu gosto muito daquele tipo de jogo que em inglês é chamado de puzzle. Já tinha falado em um artigo anterior sobre o Black-box e desta vez falarei sobre um dos puzzles mais interessantes que conheço: o Sokoban.

Por trás de um inofensivo joguinho de empurrar caixas para arrumar um depósito, o Sokoban desafia o jogador a níveis progressivos de quebra-cabeças que exigem raciocínio lógico e criatividade.

Dentre as versões de Sokoban que encontrei na Web, gostei muito do Sokoban++ por várias razões. Trata-se de um software gratuito, fácil de instalar e simples de jogar, com opções mais avançadas para os entusiastas. O jogo inicia com o catálogo padrão de cenários do Sokoban e permite movimentações pelo teclado com as setas. Você encontrará instruções básicas de como jogar no vídeo a seguir.



Dentre as opções avançadas, está a possibilidade de mudar o tema do cenário (skin), carregar novos catálogos de desafios e pedir a reprodução dos movimentos realizados (como um filme). Você encontrará detalhes de como jogar Sokoban++ na revista associada a este Blog e também no vídeo a seguir.



Se você já jogou tudo o que tinha que jogar com Sokoban e quer ir além, há algumas opções mais sofisticadas, como o Hexoban e o Sokoban 3D (este último em diversos sabores disponíveis na rede). Na minha página de marcadores você encontra links atualizados para jogos tipo puzzle.

O Sokoban pode também ser explorado de forma mais sistematizada para ampliar as possibilidades de aprendizagem, principalmente quando incluímos o trabalho em grupo. Nesta direção, além da resolução de problemas, é possível praticar técnicas de registro e compartilhamento de soluções, promovendo debates construtivos. Você também encontrará na minha revista uma seção dedicada a esta questão.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Darwin e Meus Pés de Tangerina

Não sei se você já plantou alguma coisa em casa. Talvez uma hortinha caseira e umas pimentas malaguetas como as do lado. Neste caso, eu tenho certeza que você entenderá o que eu vou dizer. Por mais que você plante todas as sementes ou mudas no mesmo vaso e as regue do mesmo jeito, elas nunca saem iguais. Se forem pimentas, umas saem mais ardidas, outras mais vermelhas e outras ainda de tamanho maior. Então, se você gostar das mais vermelhas e ardidas, quais sementes selecionará para o próximo plantio? Obviamente as mais vermelhas e mais ardidas. Por que você faz isso? Porque, como todos nós, observou que existe uma tendência que os filhos herdem as características dos pais. Pais altos provavelmente terão filhos altos. Filhos têm a mesma cor dos olhos dos pais, ou dos avós.

Suponha que na primeira safra as suas pimentas não saíram tão avermelhadas. Mas você escolhe a semente apenas daquelas mais avermelhadas para o plantio da próxima safra. É bastante provável que as pimentas da segunda safra sejam na média mais avermelhadas que as da primeira. Você pode também descobrir que seu vizinho cultiva as mesmas pimentas e pedir que lhe dê algumas de suas pimentas mais avermelhadas. Se você continuar fazendo isso, é possível que obtenha pimentas tão vermelhas quanto deseje. É claro que isso pode não ser tão rápido. Pode levar anos ou décadas. Pode ser que você não veja as pimentas tão vermelhas quanto gostaria, mas seus filhos e netos continuam a tradição, até que alguém alcance o tom desejado.

Esta técnica que descrevo não é nova; se chama seleção artificial, e é praticada pelo ser humano há milhares de anos (importante: não confunda seleção artificial com organismos transgênicos). É desta maneira que agricultores obtém as melhores variedades de suas frutas, verduras e legumes, ou as mais resistentes a pragas. Também desta maneira que criadores alcançam o melhor gado leiteiro, as ovelhas de melhor lã, os cavalos mais robustos ou velozes.

Eu não planto pimentas, mas planto tangerinas. Nas últimas semanas tenho observado os pés de tangerina que plantei há aproximadamente um ano e meio atrás. A experiência começou em um saco de ziplock (veja meu post anterior) e atualmente está em um vaso. Em uma fotografia que tirei hoje (ao lado) é possível observar que, apesar de tê-las plantado no mesmo dia e em condições semelhantes, elas se diferenciaram muito. Ao olhá-las pensei: se fosse escolher uma delas para replantio, escolheria esta que aparece maior e mais vigorosa; fiquei impressionado como ela se destacou em relação às demais.

As plantas de tangerina me fizeram recordar a leitura que fiz do famoso livro Origem das Espécies de Charles Darwin (li o excelente audiobook livre da librivox). Em fevereiro deste ano, Darwin comemorou 200 anos de nascimento e em novembro 150 anos desde a publicação deste seu famoso livro. Durante todo este tempo, muito tem se falado sobre Darwin, suas teorias e a polêmica decorrente delas. Eu tenho a impressão que não é possível falar apropriadamente sobre Darwin sem a leitura de seu famoso livro. É que várias sutilezas do seu trabalho se perdem em um debate sobre os pontos polêmicos.

Usualmente quando se explica a teoria de Darwin cita-se sua famosa viagem pelas ilhas dos Galápagos e as observações de pássaros e outros animais feitas por lá. Por outro lado, as minhas plantas de tangerina (e as pimentas) me lembraram do início do livro, em que Darwin traz exemplos e observações muito mais próximos do nosso dia-a-dia. Ele apresenta diversos exemplos em que criadores utilizam a técnica da seleção artificial, a fim de obter exemplares que tenham características específicas desejadas (cor, tamanho, qualidade do pelo etc.).

Autores que escrevem sobre Darwin geralmente falam em grandes mudanças que aconteceram em milhões de anos. Se pensa em grandes mutações genéticas -- um animal alado que nasce sem asas, uma flor usualmente vermelha que nasce branca -- isto nos dá a impressão de que as modificações e a seleção natural só dependem destas enormes mudanças. O fato é que pequenas mudanças ocorrem em cada indivíduo; não há ser igual ao outro. Pequenas mudanças acumuladas, mesmo em períodos menores (dezenas ou centenas de anos), têm permitido que criadores obtenham exemplares impressionantes através da seleção artificial. Em Campinas, por exemplo, há dezenas de anos se faz um trabalho de plantio e seleção artificial de café, no qual se obtiveram plantas com características de resistência e qualidade impressionantes (veja interessante artigo “Desenvolvimento do cultivo do café no Brasil”).

Ler o primeiro capítulo de Origem das Espécies traz uma outra perspectiva sobre o tema. Darwin inicia com observações cotidianas, que podem ser observadas e constatados durante a vida de uma pessoa, para depois expandi-las para a seleção natural. Mas isto é uma outra estória.