sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Prometo ser breve

Crushing Christmas
Ok, o título é pra enfatizar que tentarei ser breve =)

Na semana passada eu li a “Morte do Leiteiro” de Drummond e estava pensando o que me fez gostar do poema. Eu sou um sujeito enjoado para gostar de poemas, mas espero um dia atingir a maioridade. Se você ainda não leu o poema, vai lá e lê antes de seguir.

Quem não conhece Drummond pode começar achando que é um texto banal “Há pouco leite no país, é preciso entregá-lo cedo.” E vai a propagandinha... Sem que você perceba, ele entra na porta de um estilo e sai na de outro (como ele faz isso?). E vai atrás do leiteiro e puxa você para o beco, aperta o acelerador.

Mas traz você de volta. Implode o poema em uma síntese: “Se era noivo, se era virgem, se era alegre, se era bom, não sei, é tarde para saber.”

Ao final, chama em silêncio a sua atenção. Desloca a lente da narração para um detalhe e converte a tragédia em poema.
“Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,...”

domingo, 23 de outubro de 2011

A voz de Sargento Getúlio

Casa do sertão
Se tornar brasileiro é reconhecer uma voz e se encantar por ela. É decidir que não se quer contar a estória da vida de outro modo, a não ser com aquelas palavras próprias que não serão pronunciadas em outro lugar do mundo.


Esta foi a minha sensação quando retornei para o Brasil depois de passar três meses nos Estados Unidos. Encontrei os primeiros brasileiros perdidos no aeroporto, ainda nos Estados Unidos, em uma conexão. Contando agora parece exagero, mas ouvir aquela fala, não apenas brasileira mas nordestina, me deixou emocionado. Relembrei isso, porque esta sentimento com a língua é a característica marcante do livro Sargento Getúlio de João Ubaldo Ribeiro. A voz de Getúlio, sargento do sertão, é o que dá o tom do livro. Uma voz marcante de um sertanejo nordestino que narra.

Vou ser franco, esbarrei neste livro por acaso em uma livraria e estava barato. Às vezes eu tenho a impressão de que muitos entre os melhores livros que li foram acidentais como este.

Uma vez um amigo me perguntou como eu reconheço um bom livro. Não gosto de regras gerais, pois acho que trata-se de um parâmetro pessoal. Há certos autores que gostam de explorar como matéria-prima o “e se?”: E se eu fosse assassino? E se eu fosse uma prostituta? E se eu fosse vítima da opressão de um ditador?

Esta é, sem dúvida, a matéria de excelentes romances, tal como Sargento Getúlio. Longe de ser uma tarefa simples, tratar do “e se?” exige um mergulho em uma mente alheia. Ser capaz de trazer o olhar do outro livrando-se dos preconceitos e quando falo de preconceitos pode ser muito mais do que você imagina. Ao mergulhar no romance, João Ubaldo me transformou em Getúlio, admirador de Lampião e inimigo voraz dos udenistas; o bem e o mal se deslocam sob o olhar de Getúlio; a brutalidade, a valentia, a fidelidade incondicional ao Chefe, o respeito ao padre, o xodó com Luzinete, mais de vinte mortes nas costas, o sonho de se aposentar e ter uma casa em Japaratuba.

O romance é bem humorado e a linguagem impecável: “O Chefe disse: me traga esse homem vivo, seu Getúlio. Quero o bicho vivão aqui, pulando. O homem era valente, quis combate, mas a subaqueira dele anganchou a arma, de sorte que foi o fim dele. Uma parabelada no focinho, passarinhou aqui e ali e parou.” (pg 21 da 5a edição, Objetiva)

Qual a moral da estória? já me perguntaram. E esta pergunta me parece como aquela que me fazem eventualmente: Por que você toma chá? É pelo efeito medicinal? É para emagrecer? Eu respondo: é pura e simplesmente porque eu gosto de chá, não há outra razão especial. Isto, ao meu ver, é um diferencial de romances “e se?”. Não é intenção do autor lhe ensinar uma lição, como alguns romances que se parecem com auto-ajuda. Ao contrário, qualquer interferência do autor neste sentido soaria artificial. O interessante em um romance como Sargento Getúlio é a oportunidade de viver uma outra vida. Como disse Eco:
“É através da memória vegetal do livro que podemos recordar, junto com nossas brincadeiras da infância, também as de Proust, e entre nossos sonhos da adolescência os de Jim em busca da Ilha do Tesouro; extraímos lições não só dos nossos erros, mas também os de Pinóquio, ou dos Aníbal em Cápua; não suspiramos somente pelos nossos amores, mas também pelos da Angélica de Ariosto -- ou, se formos mais modestos, pelos da Angélica dos Golon; assimilamos algo da sabedoria de Sólon, sentimos calafrios por certas noites de vento em Santa Helena, e nos repetimos, junto com a fábula que a vovó nos contou, aquela narrada por Sherazade.” Humberto Eco, A Memória Vegetal.

sábado, 13 de agosto de 2011

As coisas que a gente aprende

France in XXI Century. School
Uma especulação para além da aprendizagem controlada pelo nosso consciente.

Algumas experiências nos últimos anos modificaram radicalmente minha percepção sobre o que eu sou capaz de aprender e como. Não é uma nova teoria educacional ou descoberta revolucionária. É o tipo da coisa que sempre esteve lá, mas eu nunca notei =)

Eu vou contar essa estória de trás pra frente. No ano passado eu estava falando com um colega da França sobre café. Ele contou-me que drasticamente passou a tomar café sem açúcar e, em algumas semanas, começou a gostar. Até então eu só conhecia pessoas que sempre tinham tomado café sem açúcar, ou o oposto. Fiquei curioso e resolvi tentar.

Os primeiros dias foram terríveis. Meu organismo estava tentando entender por que eu estava bebendo aquela coisa horrível. Então uma estranha adaptação começou a entrar em curso. Nosso organismo foi construído para adaptar-se; e adaptar-se frequentemente significa aprender. Em algumas semanas meu paladar para o café mudou. Na ausência do açúcar monofônico, eu refinei meu paladar para o café polifônico.

Para muitas pessoas aprender é sempre uma atividade consciente, em que nós estamos no controle do processo, lendo, memorizando e organizando ideias. E como foi que aprendemos ler, andar e saborear?

Muitas pessoas irão argumentar que paladar não é algo que se aprende. Parece mais com uma daquelas coisas com as quais a gente nasce. Contudo, se pelo menos parte do nosso paladar não é aprendida, como explicar paladares compartilhados por culturas e comunidades?

Nosso cérebro é uma imensa rede maleável, conectada em cada parte do nosso corpo, constantemente se adaptando, constantemente aprendendo. Grande parte deste processo não é dirigido pelo nosso controle consciente. Entretanto, nós podemos canalizar seu fluxo em nosso benefício.

Além do caso do café, outra experiência interessante ocorreu há anos atrás, quando eu comecei a escutar gravações de entrevistas em inglês na tentativa de evoluir a minha capacidade de escuta da língua inglesa. Naquela época, eu tinha uma boa capacidade de leitura em inglês e uma escrita mediana, mas eu não conseguia entender praticamente nada se alguém falasse inglês.

Agora, pense em como você aprendeu a falar. Seu cérebro estava submerso em um oceano de sons, tentando entender o que estava acontecendo. Gradualmente, nossa plástica rede de neurônios começou a reconhecer sons, depois construções mais elaboradas. O processo de aprendizagem inclui experimentação. Por isso, nós começamos a fazer sons, depois ensaiar palavras e assim por diante. Um processo impressionante, sobre o qual têm se debruçado pesquisadores de todo o mundo.

Minha abordagem para aprender a escutar inglês foi inspirada neste processo. Eu comecei a escutar entrevistas em inglês. No começo eu não consegui nem mesmo diferenciar as palavras (você não concorda comigo que esta parece a experiência do café?). Eu escutei novamente as mesmas entrevistas várias vezes e, progressivamente, meu cérebro começou a reconhecer palavras, depois frases e então entrevistas completas. Foi um processo lento. Foram, digamos, seis meses para que eu pudesse entender alguma coisa; um ano e meio ou mais para que eu me sentisse confiante. Mas é um processo de refinamento sem fim. Eu desenvolvi o hábito de continuar escutando praticamente todos os dias, misturando coisas. A Web é cheia de recursos gratuitos: audiobooks, entrevistas, rádios, musica etc. É uma experiência nova e gratificante baixar livros no LibriVox, por exemplo, e escutar completamente por áudio O Retrato de Dorian Gray ou A Origem das Espécies. Você passa a considerar novos valores, como a habilidade do leitor de audiobook -- por falar nisso, recomendo Dorian Gray lido por John Gonzalez.

Estas experiências irão variar de acordo com muitos fatores. Eu estou agora tentando a mesma abordagem para aprender francês, mas está sendo bem mais difícil, já que eu estou tentando aprender a escutar antes mesmo de ler =) Também é difícil aprender a beber chá sem açúcar; o seu sabor não é tão forte quanto o do café e a qualidade da água importa muito mais.

De qualquer modo, eu agora estou prestando atenção neste processo de aprendizagem entrelaçado com o meu dia a dia. É sempre bom ter coisas novas para aprender que nos tornem mais felizes e realizados.

Convite ao bandejão: o texto deste post suscitou um interessante debate, que o complementa com aspectos essenciais. Portanto, eu lhes convido a ler os comentários (lá vocês entenderão o "bandejão").

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Persepolis

Confesso que eu nunca tinha dado muita bola para esta estória em quadrinhos. Uma olhada rápida dá a impressão de um desenho tosco em preto e branco (não minta pra mim, você também faz estes julgamentos superficiais de vez em quando!). Ela despertou meu interesse quando vi o final do longa-metragem, gravado a partir da estória. Não vi o filme completo, mas li o livro.

Trata-se de uma autobiografia de Marjane, iraniana da minha geração, que viveu revoluções e guerras no Irã, morando um período na Áustria. A ida à Áustria traz um contraste interessante. Nos permite refletir sobre como-os-orientais-percebem-como-os-percebemos.

Os livros envolvendo oriente, islamismo e condição das mulheres têm se tornado cada vez mais populares. Dentre os que li, Persepolis está entre os melhores, ao lado de Neve de Orhan Pamuk (é claro que são duas obras completamente diferentes). A estória se afasta dos estereótipos ocidentais (de bandido e mocinho) sobre o oriente e o islamismo, trazendo uma perspectiva de quem viveu os acontecimentos em primeira pessoa.

Marjane consegue manter uma narração leve e bem humorada, em meio ao conturbado cenário em que ela se desenvolve. O mais fascinante é a possibilidade de acompanhar o vaivém de ideais e governos pelos olhos de uma menina, que ora abraça uma ideologia, ora abraça outra; se encanta e se frustra, compartilhando conosco a eterna busca pela felicidade.

Não é um livro de grandes heróis, resgates hollywoodianos, lições de vida da sabedoria oriental, ou encontro da alma gêmea. Somente vida na sua embalagem original; meu tipo preferido de livro.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Retorno

Para que você se lembre: dia 1 de março de 1990, você escreveu na sua agenda:

Hoje eu comecei minhas aulas, alunos diferentes, idéias diferentes, o cansaço do fim do dia, mão cheia de giz,
    meu Deus
      que alegria!!!