domingo, 20 de setembro de 2009

Não leitor. Melhor que leitor?

A Child's Garden of Verses, Jessie Willcox Smith, 1905
Hoje eu estava me perguntando se conseguiria ser professor de literatura. A primeira vista, me parece ser uma tarefa contraditória. O leitor natural, digo aquele que lê literatura desobrigado de qualquer compromisso, o faz por pura satisfação. É um ato que combina descontração e intimidade com o autor.

Tenho uma inexplicável aversão àqueles clássicos que li na escola, entre eles, Machado de Assis; apesar da lembrança de breves satisfações na leitura de partes de textos, como o início de Dom Casmurro, ou a morte da Baleia, em Vidas Secas. Esta semana comprei Esaú e Jacó de Machado. Tive que superar minha aversão inclusive para o formato escolar do livro, que vem com um daqueles encartes para responder questões sobre o romance. O resultado foi acima das expectativas. A elegância e fluidez da linguagem, a capacidade de me prender na narrativa, a curiosa técnica de dialogar comigo, a capacidade de síntese nas descrições; empacotado em alguns parágrafos um fragmento do universo – com ruas, carruagens, cores e cheiros – que parece se formar completo em minha mente.

Eu tento agora entender o que queriam de mim no colégio. Resolvi ler algumas daquelas questões da ficha de leitura que acompanham meu livro de Machado, onde estão inclusive algumas questões de vestibular. Tem colunas pra preencher com coisas que você deve memorizar: nomes principalmente. Você tem que identificar de cabeça quem disse que parte do texto e classificar algumas coisas que você leu. Nas questões de vestibular eles até apresentam trechos de texto para você identificar o romance (inacreditável!). Difícil de imaginar que alguém se interesse em ser leitor desse jeito. Voltei ao meu dilema. Eu não sei exatamente o que faria se fosse um professor de literatura.

Uma curiosidade que tenho até hoje é se alguém esperava que eu lesse sequer uma fração da literatura exigida em exames escolares. O fato é que fui preparado na escola com toda a sorte de resumos e interpretações de livros, de modo que fosse capaz de responder sobre autores e livros sem nunca tê-los lido. Fui preparado para responder sensações de outros, respostas que seriam dadas por terceiros, como se isso fosse uma espécie de cápsula que substituísse a experiência de leitura, o que de certa forma se tornou um convite para a não leitura.

Experiência estranha a que vivi. Tive que superar os anos escolares, em que fui preparado para ser um não leitor, para então adquirir o direito, a satisfação e a liberdade de ler.