segunda-feira, 14 de abril de 2014

Qualquer Aparência

Não seria a ficção uma excelente ferramenta para experimentarmos aquilo que não se pode testar em um laboratório no mundo real? Esta foi a pergunta que me fiz, quando recentemente reli Metamorfose. Não é só o estilo marcante de Kafka trafegando entre o real e o absurdo (ainda que só por isso valha a pena), mas pela sua capacidade de usar o imaginário como instrumento para nos fazer pensar no real; no mais concreto real.

Gregor Samsa acorda uma manhã como um monstruoso inseto. Mas se você não estiver preparado, isto envolve muito mais sobre o real do que a maioria dos documentários que eu já assisti falando sobre pessoas.

Na Ciência, é comum que se tente isolar uma variável para testes. Por exemplo, se você quer saber se casca de ovo ajuda o crescimento das samambaias, poderá plantar muitas samambaias em condições iguais (ou pelo menos muito próximas) e escolher um grupo para usar casca de ovo e outro não. Neste caso, você estará “isolando” a variável casca de ovo e poderá acompanhar como se comportam os dois grupos.

Mas como faríamos se a pergunta fosse: quanto vale a essência de uma pessoa? Dá para isolar esta variável? Vale transformar Samsa em um repugnante inseto em um estalo de dedo? Sua essência continua a mesma; ele segue pensando e tentando agir como antes. Sua família sabe que aquele é Gregor Samsa.

Reli o livro. Queria reencontrar a pergunta que me fiz a primeira vez: será que nos comportaríamos assim? Confesso, há tempos em que temo que sim. Mas talvez seja possível transcender o esperado. Com algo intangível, talvez inventado, chamado amor. Invenção estranha.

Se decidir ler ou reler a "pequena estória" de Kafka, pense que ele continua o mesmo, Gregor, e todos sabem disso. Mas talvez Kafka nos ponha diante da maior pergunta que não queremos responder: é verdade que amamos a essência além de qualquer aparência?