segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Antes do Pôr do Sol

Viramos abóbora? Reflexões sobre o paraíso passado.

(recomendo que só leia este blog depois de assistir o filme anterior a este, Antes do Amanhecer, pois o segundo filme revela surpresas que você não devia saber ao assistir o primeiro)

Nove anos depois de nos dar um relance do paraíso no filme Antes do Amanhecer (Before Sunrise), os autores e diretor resolvem contar: ... e como seria nove anos depois. Este é o filme Antes do Pôr-do-sol (Before Sunset). Tanto no filme quanto no mundo real (gravação do filme) se passaram nove anos. Portanto, os personagens envelheceram de fato nove anos e amadureceram nove anos.

A música de abertura, An Ocean Apart, é uma espécie de síntese do que nos aguarda:
“You promised to stay in touch when we're apart
You promised before I left that you'll always love me.
Time goes by, people cry, everything goes too fast.”
Nove anos depois daquele encontro, Jesse está em um dia de autógrafos na legendária livraria Shakespeare and Company em Paris. Ele remonta no livro aquela experiência que ficou marcada como um paraíso inalcançável, já que ele não havia encontrado mais aquela garota e não sabia como encontrá-la. Não pude deixar de ficar comovido, quando Céline simplesmente aparece.

O filme cria uma estória e um cenário perfeitos para confrontar dois universos. De um lado, está um paraíso passado. Uma lembrança de uma paixão intensa. Do outro, está a crua realidade vivida em nove anos. As escolhas, as crenças, os novos ideais, a perplexidade perante o mundo.

Isto acontece no mesmo estilo do filme anterior. Um diálogo pelas ruas de Paris, que parte de uma segura conversa sobre trivialidades -- o livro, o trabalho -- e vai se tornando profunda e intensa. Afloram os sentimentos e as frustrações. É como se cada um deles estivesse conversando com uma imagem do outro que ficou há 9 anos atrás. O presente concreto cobra a conta das promessas feitas no passado.

Por trás de um diálogo casual o casal envereda por um questionamento profundo sobre a paixão e o amor. O que sobrou afinal? Quão longe aquele universo paralelo gerado por aquela paixão pode ir, rompendo os desafios do cotidiano e a descoberta dos limites do outro?

Prepare-se para assistir um filme intenso, honesto e belo ao seu modo. Com um final que me surpreendeu!

domingo, 28 de outubro de 2012

Antes do Amanhecer

"Mas então chega a manhã, e viramos abóboras, certo?"
Antes do Amanhecer

Quando penso na diferença entre o cinema e o mundo real, me vem em mente os filmes românticos. Até que ponto estes filmes refletem (mesmo que ampliando) verdadeiros romances? Ou é exatamente o contrário, criam uma mitologia na qual os romances tentam se espelhar. Do que você lembra sobre sua história (ou histórias) romântica? Se parece com isso(?):
Você corre desesperado para a estação achando que não fará em tempo de encontrá-la e que tudo estará terminado. Ela está partindo desiludida, determinada a não vê-lo nunca mais. Então vocês se encontram e você declara seu amor. Tudo fica magicamente bem. Vocês se beijam.
Não é que não haja momentos marcantes e eventualmente heroicos. Também não quer dizer que eu não me emocione (repetidas vezes) com cenas como esta, por mais previsíveis que sejam. Mas ao assistir o filme Antes do Amanhecer (Before Sunrise) eu pensei: é exatamente isso!

Os caminhos de Jesse e Céline se cruzam em um trem. Ele está indo para Viena e ela para Paris. Eles decidem descer e passar o dia juntos em Viena, antes que Jesse viaje no dia seguinte de volta para os Estados Unidos. Então você acompanha a dança do amor. Aquela vontade de se conhecer que não termina. Ora se aproximam, ora se estranham. Tudo corre na delicadeza dos diálogos pelas ruas de Viena. Por serem estranhos um ao outro, eles ganham uma liberdade de abrir-se sem preconceitos. Criam a intimidade de um mundo paralelo, em que estão só os dois. A cigana e o poeta cruzam seu caminho, mas parecem fazer parte do cenário.

Os diálogos são o aspecto marcante do filme. Tanto pelo esforço dos autores/diretor em aproximar-nos das falas de dois jovens de vinte e poucos anos -- com toda a sua ingenuidade frente às ideologias e impulsividade em abraçá-las/rejeitá-las -- quanto pela excelente interpretação dos atores. O filme dispensa cenas espetaculares para nos fazer presenciar as sutilezas de uma paixão arrebatadora:
"É como se nosso tempo juntos fosse só nosso.
É nossa própria criação.
Deve ser como se eu estivesse no seu sonho, e você no meu.
E o mais legal é que toda essa noite... todo o nosso tempo juntos, não devia realmente estar acontecendo.
É, eu sei. Talvez seja por isso que parece tão de outro mundo.
Mas então chega a manhã, e viramos abóboras, certo?"
(diálogo entre Jesse e Céline em Antes do Amanhecer)
Não vou contar o final, mas surpreende como o resto do filme.

Nove anos depois o mesmo diretor lança o filme Antes do Pôr-do-sol (Before Sunset), com Jesse e Céline nove anos depois pelas ruas de Paris. Ele é tão profundo e talvez mais surpreendente que o primeiro. Pelo diálogo do casal os autores nos fazem olhar para trás e nos mergulham em uma reflexão. A força da paixão e do amor se lançam contra as paredes do mundo real. Não lhes darei mais detalhes para não estragar a surpresa. Quem sabe um dia eu escreva um post sobre este segundo episódio =)

domingo, 16 de setembro de 2012

A Misteriosa Baleia Azul


Como tornar seu domingo mais feliz visitando a Baleia Azul no Lago, perto da sua casa

Sinto muito, a baleia não está perto da sua casa =(

Mas o propósito deste post é perguntar: por que mesmo você resolveu ler esta mensagem, ou clicou em um link que o trouxe a ela?
  1. Você achava que teria um domingo diferente se você visitasse a Baleia Azul.
  2. Você não podia acreditar que existe um parque tão legal perto da sua casa.
  3. Você gosta de baleias.
  4. A fotografia era bonita e você resolveu ver o que, afinal de contas, era aquilo.
  5. Esta imagem lhe transmitiu uma sensação inexplicável de coisas felizes.
  6. Você não tem a menor ideia =)
Seja lá o que for, você caiu na mesma armadilha que eu. Comecei a minha busca em Campinas...


... passei em Cleveland, depois Siracusa, seguindo para Portland e finalmente Catoosa, onde vive a charmosa baleia =)

Mas, no final, o importante foi a sua iniciativa de pensar em sair de casa e tornar o seu domingo mais feliz.

sábado, 15 de setembro de 2012

A Sociedade do Eu I

Nanshiungosaurus by Lady of Hats, on WikiMedia
O dinossauro finalmente renasceu no século XXI. Clonado. Mas tudo bem. Deu seu primeiro passo e mais dois sobre o cimento. Rodopiou. Ploft! "Ploft?" "É. Ele estatelou-se no chão e morreu." "Tem certeza que você fez tudo certo?" "Como assim?" "Você tirou direito aquele DNA do pernilongo no âmbar?" PS: não se iluda, esta não é uma conversa sobre dinossauros, é sobre você.
--- corta ---
O sujeito começa a correr. Trilhões de células precisam se reorganizar. Mensagens químicas correm o corpo avisando: mais energia, mais oxigênio. O coração dispara, o ritmo da respiração aumenta.

Você tem o direito de perguntar: o que finalmente o sujeito correndo tem a ver com o dinossauro? Ok, ok, eu forcei um pouco a barra pra colocar um dinossauro na estória. Mas, acredite em mim, eu vou ligar as pontas.

Imagine que você tem um enorme exército a sua disposição e quer treiná-lo para torná-lo imbatível, o que você faz? Os espartanos já tinham esta resposta há séculos atrás: você treina seus homens para que atuem todos juntos, como se formassem um único corpo. Homens alinhados, escudos alinhados, movimentos combinados; vários pequenos homens se tornam um poderoso ser maior, mais potente que a soma dos homens. Espartaaaa!!! grita o rei Leonidas para seus 300 homens, que se lançam para enfrentar centenas de milhares.

Me acompanhe em uma continha: 75 trilhões -- este é o número aproximado de células do seu corpo. Quanto é isso? Considere que a Terra inteira tem aproximadamente 7 bilhões de pessoas. Agora pense comigo no tanto de gente que isto implica. Cada operário e agricultora, cada família e ciclista, cada pessoa em escritórios, teatros e shows. Se a população de células, apenas do seu corpo, fosse comparada ao número de pessoas da Terra, é como você tivesse 10 mil indivíduos para cada pessoa que existe na Terra.

Há uma impressionante logística para alimentar, organizar e reparar 75 trilhões de células, capaz de se adaptar a dietas e exercícios arbitrários, seja porque você quer alcançar aquele padrão de beleza idealizado, seja porque quer comer à vontade e se deixar largado no sofá o dia inteiro. E este é só o começo, a quantidade de variações é imensa. Um belo dia, por exemplo, você decide que vai se queimar ao sol, elevando repentinamente a temperatura do corpo.

O maior truque de todos é que você pensa que estes trilhões são uma coisa só: você. Este truque é essencial. Você nunca viu paralelo em nossa escala de mundo. Manobrar trilhões de indivíduos simultaneamente para agirem como se fosse um só. Você decide que quer correr e um neurônio grita lá de cima Espartaaaaa!!!! e trilhões de células entram em formação em segundos. Mas isto, então, é uma ditadura? Alguém (você) comanda estes trilhões com mão de ferro? Aí está uma coisa curiosa: algumas vezes se parece com uma ditadura, algumas vezes não.

Se parece com uma ditadura quando você resolve, por exemplo, emagrecer drasticamente. Retornando à comparação com a população da Terra, considere a infraestrutura para alimentar meros 7 bilhões de pessoas, envolvendo plantações, gado, indústria, navios e estradas. Tudo exige planejamento e dimensionamento. As plantações são dimensionadas prevendo o consumo de alimentos e há pessoas trabalhando em todos os setores para fazer alimento chegar (bem ou mal) a 7 bilhões. Em um paralelo com o seu emagrecimento drástico, vamos eliminar, digamos, quinhentas mil pessoas de uma só vez da Terra. O que você acha que vai acontecer? São só as quinhentas mil pessoas que serão afetadas? E as plantações, gado, indústria, comércio, sistemas de transporte, de saúde que atendiam a estas quinhentas mil? O que acha que farão? Não é a toa que seu corpo fica desorientado. Quem avisou à administração central?

Mas se é uma ditadura, quem é "a" célula que dá as ordens? Há muitos anos, eu li um livro chamado A Sociedade da Mente, em que Marvin Minsk descreve a nossa mente como uma sociedade de pequenos agentes que interagem. Me parecia uma coisa pouco provável, já que eu mesmo me sentia como uma coisa só. Em seguida estudei o engenhoso funcionamento dos neurônios. Um estímulo dispara uma carga, gerando um desequilíbrio em uma complexa rede de neurônios. É como uma pedra que cai em um lago. As ondas se propagam a partir do ponto de estímulo mas, no caso da rede de neurônios, o trajeto não é comportado como os círculos do lago; ele depende da topologia da nossa rede e do estado de cada neurônio, que varia de acordo com as memórias que temos, as experiências que vivemos, as coisas que aprendemos. Este trajeto único produzirá um resultado em nossa mente: pode ativar uma resposta, ou modificar o estado dos nossos neurônios, registrando, por exemplo, uma memória.

Isso não se parece com uma ditadura, mas um intrincado movimento coletivo. A consciência que se materializa como o "eu" pode ser um fenômeno emergente, ou seja, um comportamento que se parece com um corpo único e que "emerge", como uma coisa nova, a partir da interação das unidades menores. Se analisarmos apenas as unidades menores individualmente, ou seja, se olharmos apenas para cada neurônio, não é possível entender como se forma a consciência. Por esta razão dizemos que a consciência emerge apenas no momento em que os neurônios interagem. Podemos fazer um paralelo com a água. Se analisássemos apenas as moléculas de H2O individualmente, não seríamos capazes de inferir o comportamento da água, que emerge como um corpo só a partir da interação de incontáveis moléculas de H2O, entre elas e com o mundo.

Agora se parece mais com uma negociação que com uma ditadura. Um trilhão de células lhe diz de manhã, acorda sujeito! Enquanto outro trilhão quer dormir mais um pouco. Outro trilhão quer comer mais, enquanto uns bilhões dizem chega, chega! No final quem decide? E o que é que afinal chamamos de vontade e força de vontade? Será, por exemplo, uma capacidade de negociação que desenvolvemos? Essa é uma questão interessante.

Mas o que tudo isso tem a ver com o dinossauro? Esta foi uma armadilha que preparei, pois só vou falar dele em "A Sociedade do Eu II" =) Mas se prepare, pois esta estória complica, já que pesquisas recentes têm demonstrado que temos dez bactérias para cada célula do nosso corpo (750 trilhões???). Mas a coisa fica mais curiosa, na medida em que se descobre que elas têm papeis essenciais no funcionamento do nosso organismo. Afinal, quem é você? Ou o que é você?

terça-feira, 31 de julho de 2012

One Art

"The art of losing isn’t hard to master; so many things seem filled with the intent to be lost that their loss is no disaster."
Elizabeth Bishop

Levei muito tempo para sair da infância da poesia, e entender que não tem a ver com a rima, não tem a ver com palavras melosas ou metáforas. A poesia é uma espécie de universo paralelo, que nos resgata um sentido desconhecido e nos faz compreender coisas que não se expressam por palavras outras.

A primeira vez que ouvi o poema One Art de Elizabeth Bishop ser recitado eu fui fisgado. Eu precisava tê-lo; lê-lo com cuidado, fazendo aquelas palavras simples reverberarem em minha mente; eu precisava experimentar de novo a sensação. Poemas têm destas coisas.

Mas você terá que lê-lo em inglês. Só a versão original tem a cadência e sutileza adequados.

Você pode ler de novo, sentir de novo, achar que não capturou tudo. No final, leia novamente o título. Toda vez que eu o leio me pergunto: como ela conseguiu este título!